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A EDUCAÇÃO EM GOIÁS NA REPÚBLICA VELHA E NO LESTE GOIANO



Por José Aluísio Botelho

Introdução

“A educação embrandece peles duras, amacia mãos ásperas, dá graça e doçura a olhos de pouca luz. Almeida Garrett”.

Nas primeiras décadas do século vinte, houve um esforço acentuado dos educadores goianos em promover a modernização educacional no estado, a partir da criação de escolas públicas voltadas para a alfabetização primária, cujo objetivo era a erradicação do analfabetismo num estado essencialmente rural, pobre e culturalmente atrasado. Naquele período havia uma carência quase na totalidade de professoras primárias, as normalistas, decorrente da falta de escolas que oferecesse vagas para alunos interessados em ingressar no magistério, principalmente as senhorinhas, e, assim, melhorar a qualidade do ensino de primeiras letras. Concomitante, era importante também, a instrução secundária, que por norma, funcionavam anexas a esses educandários de formação primária. A ideia era a criação de escolas nas diversas regiões do estado, notadamente, nas cidades de médias e pequenas; as escolas secundárias, espelhadas nas já existentes na capital, Goiás Velho, principalmente o ‘Lyceu Goyano’, comparável e espelhado no Colégio Pedro II do Rio de Janeiro, bem como na Escola Normal Oficial de Goiás.

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Lyceu Goyano (fundado em 23/02/1847) - Instituto de ensino secundário com duração de 6 (seis) anos, e tinha por finalidade proporcionar a instrução não só para a matrícula no curso superior do Estado, como também para o desempenho dos deveres cívicos e morais do cidadão. As disciplinas curriculares eram as seguintes: Português, francês, latim, inglês, história, geografia, cosmografia, matemática, contabilidade, ciências físicas e naturais, desenho e noções das constituições Federal e Estadual. O aluno que concluísse o curso regular recebia o diploma de Bacharel em Ciências e Letras.
Escola Normal - tinha por fim especial, preparar professores para as escolas primárias. Disciplinas curriculares: português, francês, matemática elementar, história, geografia e cosmografia, pedagogia, metodologia e desenho. Duração do curso: 4 (quatro) anos.

As Escolas Singulares

Essas escolas existiram durante todo o século dezenove e que, funcionaram pelo menos até os anos 1930, na falta de escolas públicas de responsabilidade do Estado, especialmente, os grupos escolares. Os professores, na maioria das vezes autodidatas e subvencionados pelo poder público, cediam os espaços físicos nas suas residências, onde se ministrava as aulas, ou mesmo em prédios alugados pelos governos de plantão. Em Goiás, no ano de 1924, havia ainda 185 escolas Singulares, sendo 72 do sexo masculino, 60 do sexo feminino e 53 mistas mantidas pelo Estado.

As Escolas Religiosas e os Grupos Escolares

Os colégios secundários, via de regra, eram estabelecimentos particulares, administrados por religiosas das diversas congregações que atuavam no Estado. Em Bonfim (hoje Silvânia), na região central do Estado, existiu o Externato Bonfinense, fundado em 1889; posteriormente, em 1903, foi criado o Colégio Bonfinense, de propriedade do professor Antônio Euzébio de Abreu, homem de inteligência rara e vasta cultura-falava seis idiomas-, cujo curso tinha a duração de 4 anos. Este educandário logo adquiriu notoriedade pela excelência pela qualidade do ensino lã administrado, que atraía alunos de todas as regiões do Estado. Não por acaso, a cidade se tornou um centro de excelência educacional por longos anos. (Antônio de Euzébio de Abreu foi pai do ilustre goiano Antônio Americano do Brasil).

Em Pirenópolis houve um estabelecimento secundário, Colégio da Imaculada Conceição, fundado pelas irmãs da Congregação ‘Filhas de Jesus’, com boa qualificação. Já Catalão, na região sudoeste, também em 1910, alavancou o ensino local com a abertura do Colégio Nossa Senhora Madre de Deus, dirigido pelas Madres Agostinianas, com vagas em níveis de internato e externato, bem como um Jardim de infância. Embora fosse um colégio particular, assim como o São José de Formosa, recebia subvenções do Estado para funcionar, e estava à frente de outras localidades, como Ipameri e Itumbiara.

A Região Leste

Na região leste do estado, a cidade de Formosa, no início do século vinte, conheceu um destaque especial com a fundação do colégio das Educadoras Dominicanas, inaugurado em 1910 com o nome de Colégio São José, que formaria os primeiros professores normalistas do sexo feminino da região. Em 1916, foi criado, anexo ao colégio, um curso primário gratuito. Por conta do São José, Formosa ficou conhecida como a “capital da instrução”. Por fim, em 1921, o colégio seria equiparado ao da Escola Normal da Capital do Estado, Goiás Velho. Curiosamente, até a criação do curso normal do São José, as candidatas ao professorado tinham que viajar até Ipameri e de lá, pegar o trem para Uberaba para promover sua formação de normalistas. O São José, ainda hoje, é um colégio fundamental para a região.

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Nos jornais era comum encontrar anúncios desses educandários que apresentavam informações do que era oferecido pelo educandário: vejamos o Colégio São José: “Tem por fim este Collégio a formação de boas mães de família. Objecto de uma solícita e sempre maternal vigilância, as educandas estarão constantemente sob as vistas de suas mestras, presidindo estas a seus trabalhos escolásticos e manuais, bem como a suas refeições, recreios, etc. As professoras, querendo dar às suas alumnas uma educação esmerada e completa, terão particular cuidado em lhes infundir o espírito de ordem e de economia, tão necessário a uma senhora, seja qual for sua condição na sociedade. As horas de estudo e de recreio são distribuídas de sorte que as meninas possam alternativamente passar do trabalho manual ao estudo sem prejuízo para sua saúde. O valor médio da mensalidade girava em torno de 30$000 (réis). Às meninas pobres oferecia-se aulas gratuitas”.
Naqueles tempos difíceis para a educação, para se ter uma ideia, somente dois grupos escolares havia no estado em 1921, o da capital do Estado e o de Rio Verde, este criado pelo município e provido de professores pelo Estado. Em 1923, achavam-se em plena atividade os de Curralinho, Bonfim, Catalão e Santa Luzia, e, em 1925, somava-se mais duas escolas: as de Paranaíba e Bela Vista.
Neste ano de 1925, o governo Federal editou um decreto que estabelece: o “Governo da união, com o intuito de animar e promover a difusão do ensino primário nos Estados, entrará em acordo com estes para o estabelecimento e manutenção de escolas do referido ensino primário nos respectivos territórios.”
No entanto, todas as medidas contidas no decreto, de fato, só foram implementadas na sua plenitude ao final da década de 1920, início dos anos 30, quando foram construídos grupos escolares em diversas localidades do Estado. Fato é que em 1930 havia somente 19 escolas primárias em funcionamento no Estado, e quase duplicou até 1940.
Para exemplificar as dificuldades e morosidade do setor público em alavancar a educação no estado, veja como se deu em Cristalina, no leste goiano, uma vila cujo desenvolvimento se dava a passos lentos: seu grupo escolar somente foi inaugurado em 1933, de forma precária devido à falta de professores concursados e o só se consolidou a partir dos anos 1936/7, quando da seleção de professores e o incremento regular de alunos no corpo discente. As dificuldades foram tantas, que em Cristalina, as escolas secundárias só surgiram nos anos 1960 e 70.

Santa Luzia (Luziânia) 

Em Santa Luzia, hoje Luziânia, igualmente situada no leste goiano, em 1915, foi fundado o Externato Santa Luzia, voltado para o ensino secundário, de natureza particular. Outrossim, o incansável jornalista e político da terra, Coronel Evangelino Meireles, à época deputado estadual, apresentou projeto de criação do “Atheneu Goyano” na sua cidade natal, no que logrou êxito e, em 1918, foi instalado o educandário para júbilo do povo. Inicialmente, funcionou como escola primária e secundária, nesta incluída as *Aulas Avulsas (recriadas pelo decreto-lei n.º 605 de 23/7/1918), e que com o passar dos anos seria equiparada à Escola Normal de Goiás, com a criação do curso normal, de acordo com a lei 698, de 27/05/1922, equiparando à Escola Normal do Estado o Collégio 'Atheneu Goyano' de Santa Luzia, que transcrevemos na íntegra: Eugênio Rodrigues Jardim, Presidente do Estado de Goyaz: faço saber que o Congresso Legislativo decretou e eu sancciono a seguinte lei:
Art. 1.º - Fica equiparado à Escola Normal do Estado o Collégio "Atheneu Goyano", que funciona em Santa Luzia, uma vez que preencham as exigências legaes.
Art. 2.º - Revogam-se as disposições em contrário.
Mando, portanto, a todas as auctoridades a quem o conhecimento e a execução desta lei pertencerem que a cumpram e a façam cumprir tão inteiramente como nella se contém.
O Secretário do Interior e Justiça a faça imprimir, publicar e correr.
Palacio da Presidência do Estado de Goyaz, 27 de maio de 1922, 34º da República.
Eugênio Jardim/Joviano de Moraes".
Infelizmente, esse feito teve duração efêmera, e já em 1924, o educandário fechou as portas e Luziânia passou a contar apenas com um grupo escolar em atividade.
* O que eram as Aulas Avulsas – antigas Aulas Régias, criadas na época pombalina em Portugal, consistiam em um conjunto de disciplinas, consideradas importantes para conduzir os alunos ao ensino superior. Em Goiás, a lei n.º 605 traz as disciplinas oficiais ministradas pelos professores nas cidades que não existiam cursos secundários: português, geografia, aritmética e história do Brasil.
A duração efêmera do ‘Atheneu’ ilustra bem as dificuldades que a educação enfrentava em Goiás, com a carência de verbas públicas, prédios apropriados para o pleno funcionamento das instituições, bem como a falta crônica de professores, sempre mal remunerados e sem incentivos algum.

Os professores paracatuenses

Como já mencionado acima, a escola iniciou suas atividades em 1918 a pleno vapor e curiosamente, os quatro professores contratados eram de Minas Gerais, vindos da cidade de Paracatu, qualificados e identificados abaixo, na foto ilustrativa que acompanha o texto, publicada na Revista ‘a Informação Goiana’ do ano de 1921.





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São eles:

1) Professor Alarico Torres Verano, professor de formação, lecionou anos a fio em Paracatu, mudou-se com família para Goiás, fixando a princípio em Santa Luzia, tornado diretor do educandário. Sobre ele: filho de Presciliana de Siqueira Torres, nascido em 1877; foi normalista na antiga Escola Normal de Paracatu em 1894. Iniciou-se no magistério na zona rural do município e, posteriormente, na cidade de Paracatu; devido às perseguições políticas contra seu irmão, mudou-se para Santa Luzia (Luziânia) acompanhando-o; posteriormente, passa a residir em Anápolis definitivamente, e lá continua sua carreira de professor, bem assim diretor do Grupo Escolar Municipal; ao longo da vida, adquiriu vasta cultura, tornando-se respeitado nos meios intelectuais de Goiás. Foi imortalizado pelo poder público, homenageado com nome de rua em Anápolis.

2) Dr. Henrique Itiberê, irmão do precedente. Nasceu em Paracatu em 1874, e aos 18 anos é diplomado normalista pela Escola Normal de Paracatu; estudou humanidades em Ouro Preto, Barbacena e São Paulo e ingressou na faculdade de direito do Largo de São Francisco, formando em 1902. No estado de São Paulo, atuou como Jornalista, exerceu a advocacia, delegado de polícia; em 1915 retornou à Paracatu e ingressa na política, elegendo-se vereador, presidente da Câmara e Agente Executivo Municipal. Devido às radicalizações políticas na cidade, deixa o cargo e passa com a família para Goiás, Santa Luzia (Luziânia), onde exerce o cargo de Juiz de Direito da comarca, e exerce o magistério no “Atheneu Goyano”. Posteriormente, foi nomeado Juiz de Direito de Natividade, no extremo norte Goiano. Por fim, torna-se desembargador do Tribunal de Goiás, onde se aposenta.

3) Arnaldo Sóter Gonzaga, nascido em Paracatu em 1900. Não descobrimos se foi normalista. Fato é, que em 1918 é nomeado professor de Aulas Avulsas no “Atheneu Goyano”. Permaneceu no Educandário até 1924, acompanhando o professor Alarico. Retornou à Minas Gerais, fixando mais tarde em Pirapora, onde foi comerciante e prefeito da cidade.

4) Professora Júlia de Sá Guimarães, oriunda da tradicional família Sá Guimarães de Paracatu. Foi professora em Cristalina, e posteriormente em Luziânia. Retornou à Paracatu, exercendo o magistério por toda a vida. Foi casada com Cândido de Oliveira Melo.

Por fim, dedico este Ensaio aos velhos mestres de antanho, que se aventuraram em promover o ensino de primeiras letras, na tentativa de erradicar o analfabetismo no Estado de Goiás, em especial, na nascente Vila de Cristalina (hoje Cristalina) nas primeiras décadas do século vinte, homenageados nos nomes de Maria Cotta de Paiva, Maria Ribeiro, Maria de Resende Menezes, José Goiás Brasil, Leão Rodrigues de Affonseca, Elza e Naly Nazaré e muitos outros que não foi possível nominar.

Fontes principais:
1 Blog – A Raposa da Chapada, Presciliana de Siqueira Torres;
2 Chauvet, Gustavo. Brasília e Formosa, 4500 anos de História; volume I, editora Kelps, 2005, Goiânia, Goiás;
3 Hemeroteca da Biblioteca Nacional – Local: Goiás – Periódicos: A Informação Goiana, de julho de 1921, n.º 12; Correio Official de Goiás; Relatórios dos Presidentes dos Estados do Brasil; Revista da Educação; Semanário Official; O Planalto.
4 Documentos avulsos.





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