Pular para o conteúdo principal

CONTENCIOSO DAS TERRAS DO RIBEIRÃO EMBIRA EM 1920

 Por José Aluísio Botelho

Embora não termos tido acesso aos autos do processo de compra de terras devolutas segundo a “Lei de Terras” de 1897, foi possível elaborar, mediante informações disponíveis em jornais da época, este pequeno texto sobre o conflito possessório que dá nome ao título do artigo que ora disponibilizamos aos nossos leitores.

Córrego ou Ribeirão Embira – Nasce ao sul da cidade, hoje já em área urbana, e corre no sentido sudeste até alcançar o rio São Marcos, na divisa com Minas Gerais.

O conflito fundiário em questão se deu pela posse e propriedade de terras situadas na margem esquerda do referido curso d’água, como se vê no memorial descritivo apresentado por um dos requerentes.

Em 12 de dezembro de 1919, o fazendeiro José Jacinto Botelho, proprietário da fazenda Arrojado e do retiro do Esbarrancado, requer a compra de terras devolutas no município e distrito da então vila de Cristalina, solicitando a demarcação e medição da área, localizadas às margens esquerda do Ribeirão Embira, cuja nascente a época estava situada a três quilômetros da zona urbana da Cristalina Velha. A página com a descrição dos limites das terras pretendidas por Botelho, transcritas no Correio Oficial de Goiás está danificada, e, portanto, a título precário, reproduzimos: “Que, desejando adquirir… Um terreno devoluto que se presume como tal, situado no… Villa de Crystalina, comarca de Santa Luzia neste Estado e dentro das seguintes divisas: a começar… muro de pedar (pedra?), distante da Villa de Cristallina meia légua mais ou menos, na vertente esquerda do ribeirão Imbira, pelas águas vertentes abaixo até encontrar os tapumes da fazenda Paulista, as quais seguem até a caueceira (assim escrito) (seria cabeceira?) do ribeirão São Firmino, compreendendo dentro desta área légua e meia de comprimento, mais ou menos sobre, em alguns lugares meio quilômetro de largura, em outros um quilômetro e em outros dois quilômetros, podendo ter ao todo dezoito quilômetros quadrados só de campo de criar, terreno muito estreito, entre as fazendas do Almocafre de propriedade do proponente, e as das Lages de diversos proprietários, separado daquela apenas pelas águas vertentes, e desta pelo dito ribeirão Imbira, ficando na frente de um retiro (Esbarrancado – grifo nosso) de criação de gado vacum e cavalar do proponente, retiro este situado na fazenda Almocafre (Arrojado – grifo nosso) já mencionada, não tendo em suas imediações rios navegáveis e nem há traçados de estrada de ferro e nem sinal natural ou artificial. Nestes termos, pede deferimento. Goiás, 12 de dezembro de 1919. Jarbas Ribeiro de Freitas, Procurador”.

No dia 29 do dito mês e ano, foi gerado um edital com a propositura, que seria publicado no ‘Correio Oficial’ e afixado na coletoria de Cristalina, como era praxe naquele tempo, publicado em fevereiro de 1920.

Pois bem, em março de 1920, o fazendeiro teuto-brasileiro Carlos Mohn Primo entrou no processo como litisconsorte, protestando a pretensão de Botelho, pelos seguintes motivos:

a) o terreno requerido por Botelho tem de comprido mais ou menos 5 léguas e 5 quilômetros de largo;

b) declara que o dito terreno não tem sinal algum natural ou artificial, quando nele exista uma propriedade do suplicante, a mais de dezoito anos, composta de casa, curral e outras benfeitorias e ainda tem o córrego Cristal e é atravessado pelo meio pela estrada salineira que da vila de Cristalina vai para o porto de Faustino Lemes. À vista destas razões e baseado que o suplicante já tem propriedade no terreno requerido e que ele em parte confina com a fazenda das Lages pertencentes ao suplicante e outros condôminos, vem o mesmo protestar contra aquele requerimento e pedir a vossa excelência que lhe seja concedida a venda de parte do terreno requerido, tanto mais que ainda fica terreno na área requerida por Botelho, terreno com maior extensão do que o que foi requerido pelo mesmo. As terras que o suplicante deseja, tem os seguintes limites e confrontantes: “ao sul a fazenda das Lages de propriedade do requerente; ao norte terras devolutas até a estrada que de Cristalina vai ao porto de Faustino Lemes; ao oeste terras devolutas e a leste idem. Este terreno tem mais ou menos três mil hectares, é destinado à criação de gado e não tem sinal algum natural ou artificial a não ser o córrego Imbira que o separa da fazenda das Lages de sua propriedade e outros. Está distante da vila de Cristalina, meia légua mais ou menos. Espera o suplicante que depois das providências legais, V.Exa., se digne mandar-lhe passar o título provisório das referidas terras e nestes termos, E.R.D. Goiás, 8 de março de 1920”.

Iniciada a controvérsia, o contencioso sobre a posse das terras devolutas iria se prolongar até o ano seguinte. Pesquisando os jornais goianos da época, foi-nos possível estabelecer uma pequena cronologia da disputa das terras situadas na margem esquerda do ribeirão Embira (recursos, editais e despachos):

Fevereiro/1920 – publicado edital de compra, para que fosse contestado por terceiros;

Marco/1920 – publicado edital de protesto de Carlos Mohn Primo, pelos seus advogados;

Abril/1920 – publicados editais em Goiás Velho, Santa Luzia e Cristalina;

Maio/1920 – publicado edital de protesto de Joaquim da Silva Neiva, proprietário da fazenda paulista e de Carlos Mohn Primo; solicitado parecer do Procurador-Geral;

Junho/1920 – O Desembargador Presidente do Estado despacha nos autos de compra do terreno denominado Embira, no município e distrito de Cristalina, requerido por José Jacintho Botelho: “não tendo sido contestado pelo requerente a alegação feita as folhas tais, de que o protestante tem, há 18 anos, benfeitorias no terreno em questão, cabe-lhe a preferência nos termos do parágrafo único do artigo 20 da lei (de terras) 134, de 23 de junho de 1897. Concedo, portanto, a venda de uma parte do terreno a Carlos Mohn Primo, conforme o requerido no seu protesto, e a outra parte ao requerente, visto, como está patente, pelo esboço que se vê as fls. tais, que o terreno de que tratam os presentes autos comporta a pretensão de ambos os requerentes. À Secretaria de Obras Públicas para os devidos fins.”

Julho/1920 – contraprotesto do requerente José Jacinto Botelho; concedido título provisório ao Sr. José Jacintho;

Setembro/1920 – autos arquivados; protestos do Sr. Carlos Mohn Primo, que foram ao arquivo; requerimento de medição do terreno pelo Sr. Botelho;

Outubro/1920 – concedido título provisório ao Sr. Carlos Mohn Primo de parte das terras em questão;

Neste ínterim, o processo foi desarquivado no início de 1921 com despacho do Sr. Presidente do Estado em fevereiro do mesmo ano.

Março/1921 – é constituído como novo procurador do sr. José Jacintho o Sr. Hermógenes Ferreira Coelho;

Julho/1921 – O Sr. Hermógenes Ferreira Coelho recorre, em 19/07/1921, do despacho pelo ex-Secretário de Obras Públicas que mandava arquivar os autos em questão, deixando de cumprir assim o despacho do exmo. Sr. desembargador Presidente do Estado de 05/02/1921, cujos dizeres são os seguintes: “Após a juntada aos respectivos autos e devidamente processada pela Secretaria de Obras Públicas, à conclusão.” Sua solicitação foi aceita e os autos enviados:

E sendo de justiça o que pede o referido procurador, remetam-se estes autos ao Exmo. Sr. coronel Presidente do Estado.”

Agosto/1921 – despacho do então Presidente do Estado, parece ter dirimido a questão, com a concessão do título definitivo ao Sr. José Jacintho Botelho: Nos autos de medição do terreno denominado Embira, situado no município de Cristalina, comarca de Santa Luzia, requerida por José Jacintho Botelho: “De inteiro acordo com o parecer do Secretário de Terras, concedo a venda ao cidadão José Jacintho Botelho, declarando insubsistente o título do Sr. Carlos Mohn Primo.”

Fontes de pesquisas:

Hemeroteca da Biblioteca nacional do Brasil – jornais goianos da época(1920/1921).

Inventário de José Jacinto Botelho, 1948.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

IMIGRAÇÃO EM GOIÁS: KARABETH NERCESSIAN

  IMIGRAÇÃO EM GOIÁS  (transcrito do Blog História e Genealogia - Sudeste de Goyaz)   Texto de autoria do Pe. Murah Rannier Peixoto Vaz É permitida a reprodução dos dados desde que sejam citadas a autoria e a fonte de pesquisa, salvaguardando-se não que sejam utilizados com fins comerciais sem prévia autorização.   As 1ªs décadas do Séc. XX foram intensas de imigração de estrangeiros para o Brasil e também para Goiás. A migração dos sírios e libaneses, iniciada ainda na época do Império, com incentivo de Dom Pedro II, foi intensificada no início de 1900 a 1915 por conta do domínio do Império Turco-Otomano em seus países e os conflitos existentes nesse período. Questão que os levou a serem chamados de turcos no Brasil, pois seus passaportes eram emitidos pelo Império Turco Otomano. Com a I Guerra Mundial (1914-1918) e mesmo no pós guerra, devido às dificuldades financeiras de seus países, imigrantes de muitas outras nacionalidades acabaram aportando nas terras goianas, vindos dos portos

SÉRIE BIOGRAFIAS: IMIGRAÇÃO EM GOIÁS - CARLOS RODOLFO MOHN

   segunda-feira, 18 de março de 2024  (Transcrito do blog -  História e Genealogia - Sudeste de Goyaz ) Texto de autoria do Pe. Murah Rannier Peixoto Vaz É permitida a reprodução dos dados desde que sejam citadas a autoria e a fonte de pesquisa, salvaguardando-se não que sejam utilizados com fins comerciais sem prévia autorização. Natural da Alemanha, nascido em 1890, chegou ao Brasil aos 16 anos de idade, em 1906. Em 1917 já estava e m Cristalina, mais tarde mudou para Ipameri. Em 1917, Carlos Rodolfo Mohn já estava instalado em terras goianas, na cidade de Cristalina-GO e ali casou-se com a brasileira  Joana Aguiar Mohn. Posteriormente, mudou-se para Ipameri. Em 1939 tinham os seguintes filhos: Fritz Mohn (com 16 anos naquela data), Augusto Mohn (com 14 anos), Carlos Mohn (com 11 anos), Erich Mohn (com 9 anos), Hugo Mohn (com 7 anos), Elisabeth Mohn (com 5 anos), e Hellmut Mohn (com 3 anos). Além desses ainda havia os seguintes filhos: Amália, Iracema, Oto, Rodolfo, Ida, Evangélico,

A EDUCAÇÃO EM GOIÁS NA REPÚBLICA VELHA E NO LESTE GOIANO

Por José Aluísio Botelho Introdução “A educação embrandece peles duras, amacia mãos ásperas, dá graça e doçura a olhos de pouca luz. Almeida Garrett”. Nas primeiras décadas do século vinte, houve um esforço acentuado dos educadores goianos em promover a modernização educacional no estado, a partir da criação de escolas públicas voltadas para a alfabetização primária, cujo objetivo era a erradicação do analfabetismo num estado essencialmente rural, pobre e culturalmente atrasado. Naquele período havia uma carência quase na totalidade de professoras primárias, as normalistas, decorrente da falta de escolas que oferecesse vagas para alunos interessados em ingressar no magistério, principalmente as senhorinhas, e, assim, melhorar a qualidade do ensino de primeiras letras. Concomitante, era importante também, a instrução secundária, que por norma, funcionavam anexas a esses educandários de formação primária. A ideia era a criação de escolas nas diversas regiões do estado, notadamente, nas c