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SUBSÍDIOS PARA A HISTÓRIA DE CRISTALINA

 

Por José Aluísio Botelho

Cristalina na Segunda Guerra Mundial (1939-1945)

Desde a emancipação política, administrativa e territorial da cidade em 1917, Cristalina experimentou uma estagnação desenvolvimentista severa, com sua economia baseada na pecuária extensiva de pequeno porte com predominância do gado curraleiro, paupérrima na produção agrícola e no extrativismo mineral derivado do garimpo rudimentar do cristal-de-rocha, que alimentava os ricos compradores e exportadores do Rio de Janeiro. A pequenina cidade parou no tempo: não existia a presença do estado na promoção de uma educação satisfatória, com o ensino voltado somente para a educação de primeiras letras; serviço de saúde ausente; a falta de energia elétrica e saneamento básico imperava, e assim por diante. Todo esse marasmo persistiu até os anos quarenta do século passado, quando ventos e rumores de uma possível conflagração bélica na Europa começavam a chegar na longínqua Macondo goiana. Coincidência ou não, o preço do quartzo hialino abundante na região começou a subir de cotação nos mercados europeus, asiáticos e norte-americano, atingindo seu apogeu em 1943, auge do conflito que se denominou Segunda Grande Guerra Mundial. Descobertas de novas jazidas ao redor da cidade foram surgindo, as notícias de que estavam sendo retirados cristal em abundância multiplicaram aos quatro cantos do país, e, para lá afloraram milhares de forasteiros, entre garimpeiros profissionais, famílias inteiras, bem como malfeitores, prostitutas, comerciantes, homens das letras, advogados, etc., todos em busca de riquezas e melhores condições de vida. Podemos dizer que entre os anos de 1940-45, Cristalina foi virada pelo avesso, tamanha era as atividades desenvolvidas na cidade e no seu entorno, tornando-a temporariamente uma cidade rica, com dinheiro farto. Segundo levantamento de jornal da época, em 1943, a cidade possuía uma população flutuante com cerca de vinte mil pessoas, mais de cem estabelecimentos comerciais de todos os matizes e um movimento comparável aos grandes centros do país. No campo político, em 1941 foi nomeado prefeito o Dr. José Leão Pereira de Souza, natural de Mineiros, no sudoeste goiano, autodidata no serviço público, cirurgião-dentista de profissão, que era Delegado Censitário em Cristalina. Considerado o criador da “nova Cristalina”: conforme o noticiado pelos jornais que lá mantinham correspondentes, era um homem progressista, trabalhador e ciente das necessidades do povo do lugar, que lutou incansavelmente em busca de melhorias para a cidade e seus habitantes durante todo o período em que esteve à frente do executivo local, que perdurou até o fim do conflito bélico mundial coincidente com o fim do Estado Novo e a queda de Pedro Ludovico do poder em Goiás. Assim se referiu ao Dr. José Leão, O jornal ‘O Estado de Goyaz’, editado em Uberlândia, na edição de 25 de março de 1943, com o título: Um administrador modelar: “Há muitos anos dirige os destinos do próspero município de Cristalina, a inesgotável jazida de cristal. Servido de invejável tino administrativo, o Sr. José Leão Pereira de Souza, à frente dos negócios públicos daquele município, se tem revelado de uma invulgar capacidade de trabalho. Sempre residindo em Goyaz, ao tempo da república velha, teve brilhante atuação política, merecendo dos homens públicos o mais significativo acatamento. Cirurgião-dentista dos mais eméritos e humanitários, o ilustrado administrador, fez de sua profissão um sacerdócio, deixando claro o seu espírito democrático e a sua capacidade de homem progressista.”

As principais metas de sua gestão estavam diretamente vinculadas a produção de cristal, e a principal reivindicação dos extratores/exportadores do mineral, bem como dos comerciantes, era: 1) a obtenção de uma quota de gasolina, racionada pelo governo federal devido à guerra. A gasolina era fundamental para o transporte de cristal e importação de gêneros de primeira necessidade, o que só foi resolvido em 1944; 2) manutenção das rodovias em boas condições de tráfego; 3) nova legislação sobre as pesquisas minerais para que não fossem prejudicados os pequenos produtores e garimpeiros pobres, fazendo cessar a exploração dos mais ricos sobre os mais pobres, estes, subjugados aos desmandos dos grandes compradores e proprietários das terras minerais: parece que não obteve êxito em sua gestão; 4) estabilização do preço do cristal no intuito de conter o êxodo dos garimpos; 5) instalação da luz elétrica na cidade. Quanto a este tópico, em 1943 foi criado uma sociedade por quotas para dotar Cristalina de energia elétrica, sob os auspícios da prefeitura local, liderada por José Leão, constituída pelos principais capitalistas da região, encabeçada pelo industrial Deodato Louly. Na ocasião foi contratado o técnico eletricista Henrique Peterson para estudar a viabilidade do empreendimento, segundo a bacia hidrográfica do município; a energia só seria instalada de modo precário na gestão do prefeito Leão Rodrigues de Affonseca 6) abertura de uma agência bancária na cidade.

Dessas seis reivindicações encampadas pelo prefeito, somente as duas primeiras elencadas, tiveram resultados satisfatórios.

Quanto aos serviços públicos municipais essenciais, vimos pouco se fazer em benefício da cidade e da população. Desconhecemos quaisquer gestões de solicitações orçamentárias para melhorias nas áreas essenciais para a população, que na época de ouro, apresentava várias carências e deficiências:

Saúde: ausência de hospitais públicos ou privados, postos de saúde, médicos, enfermeiros, etc.

Educação: carente de cursos técnicos, secundários ou superior, o município oferecia somente o curso primário para as crianças em idade escolar em prédio publico – Grupo Escolar Pedro Ludovico, inaugurado na década de 1930. Nessa área sensível, não houve melhorias no período em estudo.

Obras públicas: ausência de serviços de eletricidade e iluminação pública, calçamentos de ruas, água e esgoto, telefonia e outros.

Na história econômica, como já descrito, o município dependia exclusivamente da produção e comércio do cristal e o meio de transporte se dava por meio de caminhões em uma rede viária precária tanto para a exportação do minério, como para a importação de bens de consumo. O comércio experimentou uma pujança jamais vista, chegando a centena de estabelecimentos nas mais diversas atividades, tais como armazéns, vendas, botecos, tecidos, móveis, açougues, farmácias, etc., além de hotéis, pensões e outros. No setor de serviços, cristalina foi dotada de inúmeros barbeiros, alfaiates, pedreiros, lavadeiras, carregadores, costureiras, carroceiros, parteiras, profissionais liberais. Constatamos a presença no período estudado, dois cirurgiões dentistas, o prefeito José Leão e o Dr. Tormelindo dos Santos, além de dentistas práticos, advogados e rábulas atuando no Fórum recém-inaugurado; detectamos somente um médico, que atuava na iniciativa privada, o Dr. Nicolau Biondi Júnior, lá radicado em 1940, aproximadamente.

Ainda na prestação de serviços, salienta-se a fundação em 1943 da farmácia Moura, dos irmãos João e Antônio Félix de Moura, vindos de Formosa, que persistiu na cidade por longos anos.

No decorrer do ano de 1943, com a participação e mediação política do prefeito, foi fundado o Aeroclube de Cristalina com a construção de sua sede social e da instalação do campo de aterrissagem, bem como a inauguração pelos correios do posto Radiotelegráfico e a construção da Cadeia Pública; no setor de entretimento foi inaugurado o cinema Minerva, que exibia filmes da ‘Metro’ três vezes por semana, de propriedade do empresário Deodato Louly; neste mesmo ano é instalada a loja maçônica ‘13 de maio’, idealizada por um grupo de adeptos residentes na cidade; dentre as instituições religiosas, destaca-se a construção da igreja Matriz de São Sebastião, entregue aos fiéis católicos em 1948.

No setor de entretimento, funcionava a pleno vapor o bar Antártica, de propriedade do jornalista Joaquim de Oliveira, que oferecia não só os serviços de bar, mas atuava como se fosse um clube social, com espaços para festas de casamentos e aniversários, bailes, reuniões políticas e comemorativas, em geral; concomitantemente, foi inaugurado o cinema Minerva, que exibia filmes da ‘Metro’ três vezes por semana, de propriedade do empresário Deodato Louly;

Com a participação do juiz de direito Dr. José Cândido da Silva, o prefeito José Leão Pereira da Silva, lutou diuturnamente, para elevar Cristalina, a sede de Comarca, o que só viria ocorrer em 1948.

Em relação à segurança pública, havia um destacamento da Polícia Militar estacionado na cidade no sentido de coibir pequenos delitos e crimes de morte, porém não foi noticiado nenhum acontecimento violento na cidade, o que soa estranho, até porque, como sabem que em regiões de garimpo, ocorre um aumento do nível de violência.

O que se pode depreender à luz das notícias de jornais, é que Cristalina experimentou um movimento jamais visto em sua curta existência até então; a expansão econômica advinda pelo alto preço do quartzo hialino no mercado internacional, promoveu um fluxo de pessoas excepcional, alguns jornais chegaram a contar vinte mil almas, um verdadeiro formigueiro de gente a cata da pedra preciosa, promovendo certamente, um desequilíbrio populacional para o qual a cidade não estava preparada. No entanto, ainda segundo o que se noticiou à época, todas as proposituras encampadas pelo poder público, representado pela prefeitura municipal, na figura do prefeito nomeado Dr. José Leão Pereira de Souza, eram direcionadas tão-somente em benefícios dos grandes proprietários, compradores de cristal e comerciantes de gêneros de primeira necessidade, como se pode deduzir pelo relatado acima. Não encontramos nenhum direcionamento do gestor público no sentido de obter verbas orçamentárias e cooperação do governo estadual e federal em benefício das camadas mais pobres da população, dos garimpeiros, como também em melhorias da cidade na totalidade. Cristalina, mesmo com a grande arrecadação de impostos advindos da extração mineral e do comércio, não recebeu melhorias na educação, saúde, saneamento básico, nem na infraestrutura da cidade. Com o fim da conflagração bélica, vem a pergunta: por quê a economia de Cristalina, que estava em franca expansão e prosperidade, entrou rapidamente em declínio? As evidências principais estão na queda do preço do cristal, no esgotamento das jazidas, a evasão de divisas com saída dos grandes capitalistas da cidade. Tudo isso impactou a cidade do ponto de vista demográfico, que embora tenha havido um aumento populacional significativo, promoveu um êxodo para outros centros ou regiões de garimpagem; uma diminuição no setor de prestação de serviços e uma piora na conservação de estradas, etc.

Cristalina voltou a dormitar à espera de um novo eldorado, o que soe acontecer na década de 1970 com a substituição da atividade extrativista mineral pela atividade agrícola, notadamente a monocultura de soja, que o cerrado aceitou muito bem. Já não era sem tempo, que Cristalina hoje está entre os dez maiores (PIB)’s agrícolas do Brasil, mas isto é outra história.

Copyright © 2023, José Aluísio Botelho

Fontes de apoio: Hemeroteca da Biblioteca Nacional - Jornais da época

Brasília, agosto de 2023

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